Mulheres grávidas sentem uma
vontade irresistível, normalmente no fim da gravidez, de redecorarem suas
casas, mudando a disposição dos móveis, acrescentando ou removendo objetos.
Chama-se esse fenômeno de “construção do ninho”. Pais de filhos adultos, ao verem suas crias
se mudando pra vida, adquirindo independência financeira e imobiliária sentem a
chamada síndrome do “ninho vazio”, sofrendo com a falta física e emocional dos
rebentos.
Ao adquirir um apartamento novo,
um espaço próprio, o novo morador esforça-se para imprimir sua identidade em
cada pedaço, seja essa impressão presencial (dançar pelado na sala), seja
rebelde (servir coca-cola com a porta da geladeira aberta e jantar Passatempo)
ou até mesmo física, através de obras e decoração. Cria-se um ninho, uma
incubadora segura para aquela pessoa que aspiramos nos tornar, ou que esperamos
que as pessoas acreditem que somos.
Mas existe ainda outro grupo de
novos moradores, os recém-casados (juntados, namorados, enrolados, acrobáticos,
etc...). Nesse caso, o ninho tem dois donos. Duas vontades, duas criações, dois
canais preferidos, duas coleções de objetos que podem (ou não) combinar entre
si e conviver em harmonia.
Esse é o meu caso. Quando eu
resolvi morar com o meu namorido (soon to be marido de verdade) eu tinha uma
visão de como seria a minha casinha, aquela em que as contas viriam com o meu
nome e a geladeira teria os meus yakultis. Mas aí vieram as contas de verdade,
sim tinham o meu nome, mas isso não as fazia mais fáceis de lidar e os meus
yakultis continuaram a desaparecer misteriosamente. No meu conto de housewife
acaba açúcar domingo de noite, leite quando eu já tinha começado o bolo e o
salário no meio do mês. Existem meias na mesa da sala, produtos de limpeza
produzidos com azeite e vinagre (ainda bem que texto não tem cheiro, afe) e
TODAS as formas de gelo vivem vazias.
Faz parte, as pessoas não são
iguais (graças aos deuses), os sonhos não são pecinhas de quebra-cabeça que um
dia se encaixam soltando fogos em forma de corações de glitter. A gente vai
dialogando, gritando, ameaçando de morte, se resolvendo, chorando, rindo e
aprendendo. Cada dia um cadinho mais.
Até que um dia, não mais que de
repente, por uma conversão dos astros digna de Susan Miller, descubro-me
dormindo em casa uma noite sozinha. Pra ser mais exata, uma tarde seguida de
uma noite e mais metade de um dia. Fico meio apreensiva (meu namorido é gringo,
não tá lá muito acostumado a andar sozinho, mas a família, essa querida, tá aí
pra isso e todo mundo deu um help) mas meio eufórica, tudoassimaomesmotempo.
Vou dançar Spice Girls, comer
brigadeiro, trabalhar a noite inteira sem culpa (é, sou dessas), ver todos os
Law and Order, dormir de meia pra hidratar o pé. Quase sinto a cabeça girar de
emoção. Mas né, fica de noite, não tem maratona de Law and Order, acabou o
leite condensado, a NET, esse pilar de consideração com o cliente e sinônimo da
qualidade no atendimento, cortou a minha internet, a sala faz uns barulhos
sinistros.
Mas como todo conto de fadas tem
fada-madrinha minha mãe traz Mc Donald’s, manda mensagem, oferece colo. Mas eu
sou forte, cheia de coragem e fico de guarda na residência. Mas só consigo
ocupar o meu lado da cama...